Trato é trato - Ficção

Convocação extra-ordinária para os soldados no Quartel, parece que os tiros que a viatura recebera na noite da segunda haviam provocado muita revolta até a quarta-feira.

O clima estava nebuloso naquele Batalhão, ainda cedo já havia muita movimentação de soldados, graduados e oficiais, todos estavam emulados pelo mesmo sentimento de vingança. "Tratar os iguais com igualdade, e os desiguais com a desigualdade com a qual eles se desigualam" - O dia seria tenso.

O tenente convocou seus homens para uma rápida seletiva na sala da Companhia, amontoados, alí estavam cerca de vinte policiais que compunham a Companhia de Emprego Tático Operacional do Batalhão, os homens de preto. O comandante da Companhia pulou os circunlóquios, e narrou o ocorrido na segunda-feria para aqueles que ainda não tinham conhecimento, detalhou que enquanto faziam ronda por um bairro relativamente perigoso, a guarnição de serviço foi alvejada, mas que nenhum disparo havia encontrado alvo. Acrescentou que na comunidade os marginais estavam a espalhar que pra Polícia entrar naquele bairro tinha que sair de costas, porque senão seriam atirados novamente. Instigou todos com seu discurso eloquente, com a intensão de justificar as ações daquele dia.

Com sangue nos olhos os homens de preto se encaminharam para seu ritual de batalha, aproximaram da sala de armamentos e munições para fazer carga do material que seria utilizado no dia, revolveres, pistolas, carabinas, metralhadores, shot-gun, armas químicas, eram homens preparados. Pouco a pouco eles iam se equipando e era nítido a revolta e a ira nas faces dos guerreiros urbanos.

Formaram-se as guarnições que iriam atuar das mais diversas formas, entre motocicletas, viaturas e até patrulhas a pé. Todos os integrantes da Companhia foram empregados naquela Operação, exceto porém os policiais de férias, por uma questão legal e óbvia.

Guarnições na área por volta das oito da manhã, tecnicamente ainda era cedo, porém nunca se sabe o que esperar. Minha guarnição era composta somente por soldados, cinco no total, estávamos a pé, o Comandante era o Soldado Alvares, muito experiente exercia a atividade policial a mais de dez anos, e já conhecia os atalhos para uma operação bem sucedida, seguíamos todas suas intruções a risca, mesmo sendo um horário impropŕicio para ataques, devíamos estar preparados, era o que ele nos dizia.

A grande vantagem de estar no campo a pé, é a proximidade com o cidadão, que inicialmente tem um choque, ao ver aquela formação, aqueles equipamentos àquela hora, porém, logo logo eles passam a ser os principais colaboradores para o sucesso da missão. Alvares sabia disso e me incubiu de falar com alguns moradores, por ser o mais novo da Guarnição, extrovertido e desinibido, conversei com um e com outro explicando a necessidade da colaboração, e o objetivo de nossa atividade, não foi necessário muitos, e já tinhamos um alvo.

A escola diariamente era tomada por marginais, utilizavam as dependências como refúgio, e "drogoniere" oferecendo suas drogas aos alunos, cometiam atos ilícitos como furtos e agressões físicas, seria um alvo muito bom para começar o dia. A patrulha dividiu-se em dois grupos fazendo um cerco na área, progredimos e rapidamente tinhamos o controle. Infelizmente naquela manhã não tivemos sorte, a paz reinava na escola, e nenhuma queixa foi feita. Partimos para outra diligência.

Andamos por todo o bairro, e a cada esquina provocávamos comentários, afinal não era todo dia que era visto aquilo pelo bairro. Atentamente abordávamos suspeitos a todo momento, seja os transeúntes, os ciclistas, os motociclistas e até os passageiros dos veículos, nada passava em nossas buscas, e nossa prioridade eram drogas e armas. Nada até o momento.

Uma rua tortuosa chamou-nos atenção, sem calçamento nenhum, com casas inacabadas a sua margem e ninguém na rua. Uma moto e dois ocupantes rompeu a tranquilidade e estacionou diante de um bar, mas quem iria a um bar aquela hora da manhã? Fomos com brevidade até os dois elementos, que agora era somente um, o outro havia adentrado, abordamos o elemento que ficara, e ele nos informara que o outro estava no banheiro. Droga! Ele já havia pulado o muro e rompido em fuga. Nos restando entretanto um cliente, até então desconhecido.

O marginal usava um casaco cinza, uma camisa branca puma, uma bermuda nova e muita cara por sinal, nos pés, uma sandália Kenner nova em folha, tinha aparência de uns vinte e seis anos, era moreno, com mais de 1,80m de altura, não era corpulento, mas não era magricela, tinha uma barba rala por fazer, os cabelos cobertos por um boné não viam o fio de uma tesoura a semanas, não exalava nenhum odor forte, mas mostrava-se bastante desconfiado e cizudo, como costumamos dizer. Coloquei-o na parede e fiz a busca pessoal, encontrei uma carteira de cigarros, um esqueiro, um molho de chaves, um celular, algumas moedas. Até o momento nada indicava algo contra ele, mas os instintos de Alvares ultrapassavam o óbvio, e ele não se enganaria. Durante a revista na casa da suposta tia do marginal foram encontradas "pedras de crack", cachimbos de PVC, trouxinhas de maconha e papelotes de cocaína, um verdadeiro "Shopping das Drogas".

Algemei o meliante e o coloquei sentado, começamos a conversar com ele e descobrir a sua história. Todos tem uma história. Como um trovador "Jolúcio", disse que alí era a casa da sua tia, que ele estava somente a tomar uma água para voltar para o hospital onde se encontravam sua mulher e seu filho após uma cirurgia, parecia até convencido do que contava, quando perguntado sobre o outro que o acompanhava, ele respondeu que estava com muito medo, por que será?, e que não sabia de nenhum envolvimento criminoso do colega, no quintal havia mais uma moto, e ao ser perguntado sobre as duas motos, ele simplismente disse que era pra buscar sua mulher e filho no hospital, ambas eram alugadas.

A conversa estava entediante, e o meliante não constitui provas pra si mesmo, a única coisa que tínhamos a fazer era levá-lo para a delegacia junto com sua "mercadoria" e apresentá-lo ao delegado. Mas o Soldado Saldanha tinha um plano, dirigiu-se ao meliante e barulhou ao seu ouvido, pediu que nós nos retirássemos, e disse ao meliante que era ele o comandante da operação, disse ainda que o marginal estava muitissimamente embolado somente pelas coisas encontradas, e propôs um trato, o "comandante" queria a verdadeira história sobre o meliante e uma arma, e em troca o liberaria.

Ingênuamente o meliante abriu o verbo, descobrimos que ele era um ex-presidiário recém liberto a menos de três meses, soubemos que ele era um assaltante muito perigoso, confessou-nos assaltos por toda a região, entregou nomes e lugares, indicou o caminho para a localização de sua casa, onde foi encontrado mais drogas e uma arma, cumpriu a risca a sua parte do trato.

O problema é que polícia não faz trato com vagabundo, "Da prisão você veio, e da prisão você retornará", foram as últimas palavras ao bandido antes de ser entregue à lavratura do flagrante.


PS: Não reparem os erros de digitação, não uso rascunhos!
Tudo fruto da imaginação!

Comentários

  1. Conheço essa ficção...ou pelo menos, ouvi o relato oral de parte dela, rs.
    Parabéns pela habilidade com as palavras!
    Amiga e admiradora

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